Memories of a gig goer / Memórias de um frequentador de concertos.
Friday, July 9, 2021
LYDIA LUNCH - Performance - 07/07/2018
Lydia Lunch é uma das mais importantes personalidades do meio
musical da no-wave e do post-punk de Nova York dos anos 80. É uma
pioneira e uma sobrevivente de um género apaixonante, literário,
sem barreiras estéticas e ideológicas, do melhor que a música
underground nos deu ao longo destas últimas décadas. Faz parte de
uma geração de génios e de personalidades influentes, tanto a
nível musical, de escrita e de performance, e por isso mesmo é
história viva, ou lenda-viva, da música popular de pendor
underground, conforme se a quiser catalogar.
A artista
apresentou-se ao público, no passado sábado, na Galeria Municipal
do Porto, com o seu apaixonante trabalho de tipologia spoken word de
nome Dust and Shadows, no seguimento da exposição “O ontem morreu
hoje, o hoje morre amanhã” (uma mostra de artistas locais
emergentes com trabalhos orientados dentro da temática das suas
experiências de vida noturna – através de cartazes e imagens para
eventos de música eletrónica, DJ sets e outros), e onde o nome
maior - e eventualmente o catalisador desta exposição - é o enorme
artista norte-americano RaymondPettibon, o autor de toda a estética gráfica dos grandiosos
Black Flag, uma das mais importantes e seminais bandas do
punk-hardcore global. De forma muito resumida, a estética do preto e
branco de proporções grotescas e cruas, em muitos casos minimal e
“mal desenhada” de forma naíf, é o que une todos estes
artistas. Uma exposição que recomendo vivamente para ser visitada.
Lydia Lunch conduziu-nos de forma hipnótica para uma alucinante
performance da palavra, transformada em qual artefacto psicadélico
de divagação dos pensamentos urgentes e depressivos que assolam a
mente da artista e que é simplesmente assombrosa, e não deixa
ninguém indiferente. Porque o que esta nos confronta ao longo de 45
minutos é simplesmente a Vida em todas as vertentes possíveis e
imagináveis do indivíduo.
Inicialmente
focando-se sobre a liberdade no seu entendimento mais politizado, de
como o Estado e as corporações nos controlam a todos, desde o mero
uso de um cartão Visa até à tv e internet, de imediato passa para
um ataque cerrado aos EUA nas suas mais variadas idiossincrasias que
são, de forma fulminante, postas a cru, recorrendo para o seu
conceito pessoal de caos e do seu poder libertador, levando-nos ao
seu mundo obscuro dos fantasmas-emoções que nos atormentam as
memórias, avisando-nos de antemão, de que um dia mais tarde,
seremos também um deles. Há um extasiante humor negro, em violenta
convulsão, em tudo o que a artista aborda, como se não houvesse
salvação. Ela afirma-se uma sobrevivente, de todos os tipos de
vidas e de drogas, reais e imaginárias. Mas é precisamente nesta
aparente negatividade que reside todo o amor pela Vida, pela
Mãe-Natureza, e pelo Indivíduo por parte de Lydia Lunch. Quando nos
revela, de forma agressiva e desafiadora, que a verdadeira e única
rebelião é o prazer, é mais do que óbvio que estamos perante
alguém com imensa substância; uma mente rara com coisas importantes
para ser escutada. No final do seu espetáculo, disserta, em forma
pungente de elogio fúnebre, arrepiante e angustiante, sobre o que se
pode dizer a alguém que só tem 30 dias de vida e que passa só a
ter 30 horas de vida e que passa rapidamente a ter 3 horas e só mais
3 minutos, envenenado com medicação, a tentar lutar pela vida, a
tentar a todo o custo salvar a esperança para uma vida que se apaga…
e só restam mais 3 segundos de vida e a única coisa que se pode
fazer é dar as mãos a quem morre e dizer que rapidamente passarás
a ser um rei e num vórtex de luz entras numa outra dimensão, feito
em partículas subatómicas no éter, em cinzas… este é um momento
que jamais se esquece, porque é algo muito forte, de visualização
intensamente evidente da forma como a artista se expôe publicamente
nesta temática do fim da Vida. Este momento do espetáculo é muito
impactante, feito num sentimento que jamais centenas de bandas
barulhentas de rock e afins alguma vez conseguirão fazer passar para
uma audiência. A palavra, quando bem usada, é muito poderosa…
avassaladora.
O que retive
essencialmente desta mais recente performance da artista (que já nos
visitou por diversas vezes no passado), é que de forma ostensiva,
Lydia Lunch é uma espécie de upgrade atualizado e muito peculiar
das grandes cantoras de blues e do jazz do passado, uma diva da
devassidão e do caos, do prazer e da luxúria; senhora de uma voz
poderosa e de grande alcance tímbrico, que apregoa a liberdade de
uma forma que não é óbvia nem do senso-comum. É nisso que é uma
fora de série; uma entre biliões. Para além disso, é também
alguém com consciência política ativa; encontra sempre uma forma
de relacionar temas iminentemente literários e emotivos com uma
realidade social dura e crua, atacando de forma ácida o que tiver de
ser destruído na sua conceção do real. Por isso, estou em
crer, que assistir a uma sua performance, é sempre uma experiência
de vida inesquecível, daquelas que perdurarão eternamente nas
nossas memórias. Pelo menos foi isso que aconteceu comigo.
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