Festa de Encerramento Porto Femme - BONE ZENO - Bone Zeno apresentou no Barracuda - Clube de Roque,
no sábado passado, o seu mais recente álbum, de nome Black Milk
(Impression Recordings, 2017). Fazer esta review de forma isenta é-me
impossível de todo, pois amo verdadeiramente a música deste homem,
já vai para muitos longos anos, quando ainda era [D-66] e
atuava pontualmente no bar Porto-Rio= Barco Gandufe, no seu anterior projeto. Por isso esta vai ser
necessariamente uma review de exercício de memórias, de amor e
paixão pelo rock’n’roll underground, personificado neste senhor.
Para que se entenda
rapidamente, Bone Zeno é um projeto one man band, dentro do blues e do
trash/punk. É também, por essa via, a forma como este alemão, a
viver presentemente em Coimbra, extravasa todo os seus fantasmas e
ideais de vida viciosos e caóticos, de uma forma completamente única
e singular. No universo imenso das one man bands, que pululam um
pouco por todo o lado na atualidade, Bone Zeno, é para mim o melhor
e o maior de todos. É simplesmente muito grande, enorme. E penso
isto desde há muitos anos, até porque considero ter um relativo bom
conhecimento de outros artistas dentro deste tipo de formato, tanto
ao vivo como discograficamente. E então é diferente dos outros em
quê? Direi que é quase impossível haver alguém mais louco e
excitante em palco, a tocar dentro do seu estilo musical, nos dias de
hoje, sem utilização a recursos de distração iconográfica. E
reforço também que dentro do seu estilo musical, ou seja, da música
que faz, é para o meu gosto pessoal, completamente fascinante. Para
mim Bone Zeno é a mais perfeita personificação do bluesman do post
punk, das latitudes do noise guitar de um Rowland S. Howard,
entrecruzado com o delicioso deboche caótico de uns The Birthday
Party ou The Cramps, algures entre um Tom Waits, um Nick Cave, um Lux
Interior… ou até de um Jerry Lee Lewis, quando jovem, todos juntos
numa só pessoa e a destilar a mais das puras selvajarias em palco.
A energia e a
sensação imediata de que estamos a assistir a algo de grande dentro
do rock, é-nos logo transmitida aos primeiros acordes de abertura do
concerto; qualquer verdadeiro amante de rock percebe imediatamente que a
partir daí o mais natural é deixar-se ser levado pelo turbilhão de
insanidade que se avizinha, qual tsunami. Já vejo Bone Zeno há mais
de 11-13 anos (por aí), desde que se apresenta sempre no Porto, e
até agora não faltei à pregação caótica uma única vez. Estive
na primeira, quando este era baterista dos The Parkinsons e atuou no Porto-Rio, num concerto incrível,
daqueles inesquecíveis e habituais da banda, e depois de todas as
outras vezes que sempre lá se apresentou a solo como D-66 ao longo
do tempo (num deles, quase que consegui destruír parte da sua
performance (pois fiquei completamente possuído pela sua música),
mas também do qual resultou o bom contato que ambos mantemos até
aos dias de hoje. A última vez que o vi, foi no extinto CAVE 45, e foi igualmente excelente, dentro do que sempre espero da
sua atuação ao vivo. Nunca me desiludiu até hoje. Por isso, só
faltarei a um concerto de Bone Zeno por questões de força maior,
como facilmente se percebe.
O concerto deste
sábado passado foi mais um dentro do mesmo registo habitual de Bone
Zeno; entre a loucura e o caos, mas também entre a profundidade e a
excelência que todos os seus temas oferecem, sem exceção. Aliás,
Black Milk, que estava a ser, em muitos dos seus temas, dissecado em
palco, é um excelente álbum; daqueles que ouvi, de forma viciante,
em 2017 durante semanas seguidas e em modo de repeat diário. Foi,
por essas semanas, a minha banda sonora de vida. Todas as vezes que um concerto dele finaliza, questiono-me da razão de Bone Zeno não ter uma carreira maior, e acho que a resposta resvala sempre para o óbvio: é demasiado selvagem e insano para ser “domado”, para que se permita, por si mesmo, concretizar os objetivos de um hipotético agente ou até de management, com a seriedade e a credibilidade com que muitos deles gerem as carreiras de outros artistas. É, também por isso, que adoro este homem e a sua música.
Lydia Lunch é uma das mais importantes personalidades do meio
musical da no-wave e do post-punk de Nova York dos anos 80. É uma
pioneira e uma sobrevivente de um género apaixonante, literário,
sem barreiras estéticas e ideológicas, do melhor que a música
underground nos deu ao longo destas últimas décadas. Faz parte de
uma geração de génios e de personalidades influentes, tanto a
nível musical, de escrita e de performance, e por isso mesmo é
história viva, ou lenda-viva, da música popular de pendor
underground, conforme se a quiser catalogar.
A artista
apresentou-se ao público, no passado sábado, na Galeria Municipal
do Porto, com o seu apaixonante trabalho de tipologia spoken word de
nome Dust and Shadows, no seguimento da exposição “O ontem morreu
hoje, o hoje morre amanhã” (uma mostra de artistas locais
emergentes com trabalhos orientados dentro da temática das suas
experiências de vida noturna – através de cartazes e imagens para
eventos de música eletrónica, DJ sets e outros), e onde o nome
maior - e eventualmente o catalisador desta exposição - é o enorme
artista norte-americano RaymondPettibon, o autor de toda a estética gráfica dos grandiosos
Black Flag, uma das mais importantes e seminais bandas do
punk-hardcore global. De forma muito resumida, a estética do preto e
branco de proporções grotescas e cruas, em muitos casos minimal e
“mal desenhada” de forma naíf, é o que une todos estes
artistas. Uma exposição que recomendo vivamente para ser visitada.
Lydia Lunch conduziu-nos de forma hipnótica para uma alucinante
performance da palavra, transformada em qual artefacto psicadélico
de divagação dos pensamentos urgentes e depressivos que assolam a
mente da artista e que é simplesmente assombrosa, e não deixa
ninguém indiferente. Porque o que esta nos confronta ao longo de 45
minutos é simplesmente a Vida em todas as vertentes possíveis e
imagináveis do indivíduo.
Inicialmente
focando-se sobre a liberdade no seu entendimento mais politizado, de
como o Estado e as corporações nos controlam a todos, desde o mero
uso de um cartão Visa até à tv e internet, de imediato passa para
um ataque cerrado aos EUA nas suas mais variadas idiossincrasias que
são, de forma fulminante, postas a cru, recorrendo para o seu
conceito pessoal de caos e do seu poder libertador, levando-nos ao
seu mundo obscuro dos fantasmas-emoções que nos atormentam as
memórias, avisando-nos de antemão, de que um dia mais tarde,
seremos também um deles. Há um extasiante humor negro, em violenta
convulsão, em tudo o que a artista aborda, como se não houvesse
salvação. Ela afirma-se uma sobrevivente, de todos os tipos de
vidas e de drogas, reais e imaginárias. Mas é precisamente nesta
aparente negatividade que reside todo o amor pela Vida, pela
Mãe-Natureza, e pelo Indivíduo por parte de Lydia Lunch. Quando nos
revela, de forma agressiva e desafiadora, que a verdadeira e única
rebelião é o prazer, é mais do que óbvio que estamos perante
alguém com imensa substância; uma mente rara com coisas importantes
para ser escutada. No final do seu espetáculo, disserta, em forma
pungente de elogio fúnebre, arrepiante e angustiante, sobre o que se
pode dizer a alguém que só tem 30 dias de vida e que passa só a
ter 30 horas de vida e que passa rapidamente a ter 3 horas e só mais
3 minutos, envenenado com medicação, a tentar lutar pela vida, a
tentar a todo o custo salvar a esperança para uma vida que se apaga…
e só restam mais 3 segundos de vida e a única coisa que se pode
fazer é dar as mãos a quem morre e dizer que rapidamente passarás
a ser um rei e num vórtex de luz entras numa outra dimensão, feito
em partículas subatómicas no éter, em cinzas… este é um momento
que jamais se esquece, porque é algo muito forte, de visualização
intensamente evidente da forma como a artista se expôe publicamente
nesta temática do fim da Vida. Este momento do espetáculo é muito
impactante, feito num sentimento que jamais centenas de bandas
barulhentas de rock e afins alguma vez conseguirão fazer passar para
uma audiência. A palavra, quando bem usada, é muito poderosa…
avassaladora.
O que retive
essencialmente desta mais recente performance da artista (que já nos
visitou por diversas vezes no passado), é que de forma ostensiva,
Lydia Lunch é uma espécie de upgrade atualizado e muito peculiar
das grandes cantoras de blues e do jazz do passado, uma diva da
devassidão e do caos, do prazer e da luxúria; senhora de uma voz
poderosa e de grande alcance tímbrico, que apregoa a liberdade de
uma forma que não é óbvia nem do senso-comum. É nisso que é uma
fora de série; uma entre biliões. Para além disso, é também
alguém com consciência política ativa; encontra sempre uma forma
de relacionar temas iminentemente literários e emotivos com uma
realidade social dura e crua, atacando de forma ácida o que tiver de
ser destruído na sua conceção do real. Por isso, estou em
crer, que assistir a uma sua performance, é sempre uma experiência
de vida inesquecível, daquelas que perdurarão eternamente nas
nossas memórias. Pelo menos foi isso que aconteceu comigo.
Não é todos os dias que se dá de caras com uma verdadeira rock
star, daquelas mundialmente famosas - e enormes - dentro do lado mais
glam e decadente do género… uma rock star à moda antiga, das da
TV, dos jornais, das revistas e dos posters afixados nos quartos dos
adolescentes; das que sempre fizeram parte de algum do meu imaginário
rock’n’roll.
Andy McCoy, o lendário guitarrista e compositor dos Hanoi Rocks - deambulava durante o fim de semana passado pelos lados do bar Barracuda - Clube de Roque, no Porto. Após nos conhecermos e depois de conversas várias sobre rock’n’roll e afins, comecei a gizar forma de o entrevistar, por imediatamente ter percebido que o homem é um manancial vivo e precioso de histórias de vivência rock que podiam ser interessantes para serem partilhadas com mais gente. E foi isso que fiz. Seguem-se nove posts no meu mural aqui do Facebook, com vídeos breves em que pedi a Andy McCoy que comentasse vários nomes e assuntos e que exercitasse as suas memórias sobre as mesmas (para este blogue juntei todos os vídeos num único). É óbvio que no essencial queria que satisfizesse a minha curiosidade sobre personagens ou assuntos que, dentro do meu gosto e formação de rock, me são mais queridos.
Andy McCoy encontrava-se no
Porto no seguimento de um livro autobiográfico que está a ser
ultimado por um escritor/jornalista finlandês de nome Lamppu
Laamanen, que já conta com várias publicações sobre temáticas
rock'n'roll - e a quem também estou agradecido por ter convencido
Andy para a entrevista que propus - e que decidiram ambos vir passar
uns dias à Invicta, para encontrarem nesta, um ambiente diferente e
mais relaxado em relação a outras cidades europeias, onde Andy é
extremamente reconhecido na rua. É óbvio que aqui também o foi; já
muita gente sabe a esta hora da sua presença por estas paragens.
Afinal é uma rock star global.
Mas para além disso, Andy McCoy
é um excelente contador de histórias de rock’n’roll e um
sujeito “soooo sweet” e extremamente acessível com toda a gente
que o interpelava... definitivamente um verdadeiro cavalheiro. Diria
que praticamente conheceu e conviveu com todas as grandes - e também
não tão grandes - estrelas do meio. E essa vivência continua a ser
feita todos os dias, pois é a sua vida. O tempo da entrevista foi o
suficiente para ter material interessante… e não fosse o tempo
medido, ainda ia saber alguma história curiosa com a Tina Turner ou
com os Motley Crue, que ficaram por contar. Fica para a próxima.